domingo, 21 de junho de 2009

Perfeita maldição

Relembro os momentos em que não a conhecia, tão bem como os momentos em que a conheci.
Escrevi a sua forma no topo dum guardanapo branco de cantos vermelhos, levei-a no bolso para a poder ver mais uma vez, mas inconscientemente fui escrevendo todas as linhas do seu ser. Eram já dois dias sem dormir, mas a paixão era tanta que não consegui parar. O seu olhar no topo da folha fitava a minha alma e todas as ideias que ferviam o meu corpo, criei-a tão perfeita que tive medo de a voltar a ver,
Mas o facto de ter criado este ser tão perfeito valia o peso de me apaixonar por algo que nada é mais que palavras. Parei um pouco com as folhas voltadas na mesa e pensei em tudo o que tinha escrito, tudo o que senti ao descrever o que necessitava na forma humana, senti-me tão feliz por saber que agora existia uma pessoa tão perfeita mesmo apenas num pedaço de papel. Tanto tempo à procura de algo cuja solução estaria apenas a uma caneta, papel e mente de distancia, tanta alegria, tanta euforia, tanta...
Parei no tempo durante minutos, acordei do nada e levantei-me da cadeira da qual não saí durante estes dois dias, encaminhei-me, em silêncio, até à sala sempre contigo em mãos e sentei-me em frente da lareira. Uma hora de silêncio assolou as paredes, a luz das chamas tocava o meu rosto na tentativa de me acordar, quando num leve gesto levantei a minha obra e lancei-a para as chamas.
Saí da sala sem ruído, apenas ouvia os gritos dela, enquanto morria queimada pelas chamas que eu próprio criei. "Desculpa ter-te removido da minha mente, de te ter criado e agora destruído; eras o ser mais perfeito, não tenhas dúvidas, até que me deparei com a única imperfeição em ti, o facto de não seres nada mais que boa tinta em caras folhas."

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