terça-feira, 21 de julho de 2009

Em trevas, amor

Não o escolhes a ele, provavelmente ele te escolherá a ti; talvez nunca me irei esbarrar novamente contra ele na rua, nem ele me irá seguir e pregar-me um susto de morte. Mas sim, ele já falou comigo, tem uma voz doce e uma atitude serena, é belo poeta de narrativas brilhantes e falou as mais belas palavras que já ouvi. Pouco foi preciso para ser o meu melhor conselheiro, um amigo leal que afastava tudo o que de mau existia. Fez-me ter asas, fez-me ser mais do que o que imaginava ser, cegou-me e tornou-se os meus olhos, calou-me e fez-se a minha voz, paralisou-me e tornou-se a minha alma. Quando dei conta de mim, já não era nada para dar conta, um ser cego, mudo, surdo e acorrentado a ilusões de um demónio com asas de anjo que falava veneno com sabor a doçura e cantava a morte em tom de melodia.
Fez-me sufocar em tristeza, chorar sangue e arder em cinzas. Acorrentou-me a falsas esperanças, das quais não conseguía fugir, vendi a minha alma em troca de tudo, perdi a minha alma e não possuía nada. Tudo o que eu queria era que o manto de ilusões caísse e tudo fosse verdade, que tudo o que o amor me falou não fosse mentira, no fundo só a queria a ela.
Hoje sei que por muito que tenha medo de voltar a sentir o mesmo e que este tal amor esteja bem enterrado dentro de mim, em trevas que não conheço, espero ansiosamente pelas suas ilusões e de lhe oferecer a minha alma, pois viver preso e envolto em tristeza nunca me deixara tão feliz.

quarta-feira, 1 de julho de 2009

Diário de linhas curvas

Trinta e um do dois de cinco mil e nada

Já não basta a falta de sensações para criar, tenho também a falta de inspiração para me perturbar, nada é interessante, nada me fascina, tudo é objectivo e concreto, nada me desperta, tudo me aborrece. Não sinto mais que nada, mas perturba-me mais que tudo.
Diário bastardo, volta atrás nas tuas faces e vê, lê-me alto e a bom tom, o que um dia foi um belo som, uma bela orquestra de uma alma. Quando fui rei e senhor das palavras, criei castelos com tijolos delas, diria melhor: Impérios! As tuas páginas são prova de quantas terras conquistei e impérios se desmoronaram ao passar da minha pena, o derramar de tinta foi tão belo, tão cruel, tão genial, fui durante tantos anos um conquistador imortal.
Hoje não passo de um conto, ou uma lenda irreal, falta a prova de que consigo voltar a derrubar todo o mundo com um traço continuo do qual belas composições se formam e tudo a volta derrubam. Tudo começa a fazer sentido agora!
Sinto a tua essência a voltar, a minha pena tornasse um pássaro outra vez, das suas lágrimas faço a minha tinta, de mim crio a obra, o poder é tão grande que não é possível controlar, é tão grande que apenas uma folha não basta, um diário não basta, a minha mente não basta, é tão destruidor, tão sonante! Mas guardo para mim hoje, afinal já não há nada a fazer, pois hoje sou só eu o meu diário e um copo cheio de sangue mental para motivar o meu pensamento irreal.

domingo, 21 de junho de 2009

Perfeita maldição

Relembro os momentos em que não a conhecia, tão bem como os momentos em que a conheci.
Escrevi a sua forma no topo dum guardanapo branco de cantos vermelhos, levei-a no bolso para a poder ver mais uma vez, mas inconscientemente fui escrevendo todas as linhas do seu ser. Eram já dois dias sem dormir, mas a paixão era tanta que não consegui parar. O seu olhar no topo da folha fitava a minha alma e todas as ideias que ferviam o meu corpo, criei-a tão perfeita que tive medo de a voltar a ver,
Mas o facto de ter criado este ser tão perfeito valia o peso de me apaixonar por algo que nada é mais que palavras. Parei um pouco com as folhas voltadas na mesa e pensei em tudo o que tinha escrito, tudo o que senti ao descrever o que necessitava na forma humana, senti-me tão feliz por saber que agora existia uma pessoa tão perfeita mesmo apenas num pedaço de papel. Tanto tempo à procura de algo cuja solução estaria apenas a uma caneta, papel e mente de distancia, tanta alegria, tanta euforia, tanta...
Parei no tempo durante minutos, acordei do nada e levantei-me da cadeira da qual não saí durante estes dois dias, encaminhei-me, em silêncio, até à sala sempre contigo em mãos e sentei-me em frente da lareira. Uma hora de silêncio assolou as paredes, a luz das chamas tocava o meu rosto na tentativa de me acordar, quando num leve gesto levantei a minha obra e lancei-a para as chamas.
Saí da sala sem ruído, apenas ouvia os gritos dela, enquanto morria queimada pelas chamas que eu próprio criei. "Desculpa ter-te removido da minha mente, de te ter criado e agora destruído; eras o ser mais perfeito, não tenhas dúvidas, até que me deparei com a única imperfeição em ti, o facto de não seres nada mais que boa tinta em caras folhas."